quarta-feira, 17 de agosto de 2011

TESTES DE DIGESTIBILIDADE COM BETTA SPLENDENS

RESUMO
Foram avaliados os coeficientes de digestibilidade aparente de MS, PB,
energia bruta (EB) e EE de alimentos protéicos (farelo de soja e
farinha de peixe) e energéticos (fubá de milho e farelo de trigo) para
beta (Betta splendens). Fêmeas adultas foram alojadas em gaiolas e
mantidas em dois aquários de fibra de vidro (30 peixes/aquário) para
alimentação e dois para coleta de fezes, ambos de formato cônico e com
capacidade para 30 L. Os resultados dos coeficientes de
digestibilidade aparente de MS, PB, EB e EE foram, respectivamente, de
69,43; 72,52; 67,91 e 55,50% para farelo de soja; 60,67; 51,15; 75,55
e 58,26% para farinha de peixe; 63,88; 87,16; 77,61 e 50,40% para fubá
de milho; e 61,06; 93,37; 58,17 e 65,51% para farelo de trigo. Os
resultados obtidos neste estudo permitem otimizar a formulação de
dietas práticas balanceadas, economicamente viáveis para a espécie.




Introdução
A produção de peixes ornamentais é uma modalidade da aqüicultura em
plena expansão nas últimas décadas. Nos Estados Unidos, a popularidade
e os altos valores de venda têm situado a produção de peixes
ornamentais entre as principais fontes de renda da aqüicultura
(Chapman et al., 1997). No comércio internacional de organismos
aquáticos ornamentais, observa-se aumento anual a uma taxa média de
14%, chegando a cifras superiores a 200 milhões de dólares por ano
para as exportações (Lima et al., 2001).
Na América do Sul, pouca atenção tem sido dada à criação de peixes
ornamentais, provavelmente pelo fato de a exportação ser baseada na
coleta de peixes na natureza (Conroy, 1975). No Brasil, a produção de
peixes ornamentais é bastante recente e surgiu com a implantação de
projetos de piscicultura na década de 70. O estado de Minas Gerais
destaca-se como o maior centro de produção do Brasil, com 118
criadores que cultivam 50 variedades e/ou espécies (Pezzato & Scorvo
Filho, 2000). Entretanto, o Brasil participa com apenas 6,5% das
importações no mercado norte-americano (OFI Journal, 1999), indicando
a necessidade de maior apoio e incentivo à atividade, tendo em vista o
grande potencial nacional.
Atualmente, existem poucos estudos sobre as exigências nutricionais da
maioria das espécies ornamentais e, conseqüentemente, não existem
dietas comerciais balanceadas específicas para utilização na produção
em larga escala. Para formulação de dietas práticas, é necessário o
conhecimento não só das características químicas e físicas de cada
ingrediente, mas também de sua digestibilidade pelos peixes (Tacon &
Rodrigues, 1984). Os nutrientes não digeridos dos alimentos, além das
implicações no crescimento e dos custos de alimentação, aumentam os
níveis de nitrogênio, fósforo e matéria orgânica nos efluentes (Chong
et al., 2002). Portanto, o conhecimento da eficiência de utilização
dos nutrientes de alguns alimentos é primordial para formulação de
dietas para diversas espécies de peixes.
Os valores de digestibilidade de nutrientes de alimentos para peixes
ornamentais ainda não estão estabelecidos (Sales & Janssens, 2003) e
revelam que essa lacuna de informações está diretamente relacionada à
dificuldade de coleta do material para análise de digestibilidade, à
diversidade de espécies com diferentes hábitos alimentares, à carência
de investigações básicas, aos fatores econômicos e até mesmo ao
relativo desinteresse de pesquisadores, universidades e centros de
pesquisa.
Entre algumas espécies ornamentais, o beta (peixe de briga ou Siamese
fighting fish) destaca-se como um dos peixes de melhor mercado, não só
pela beleza e variedade de cores, como também pela rusticidade,
associada à presença de um sistema acessório de respiração aérea que
lhe permite sobreviver em pequenos aquários (beteiras). Esta espécie
ornamental é uma das cinco mais importadas pelos Estados Unidos, tanto
em número de peixes como em dólares gastos anualmente (Chapman et al.,
1997).
Neste estudo, objetivou-se avaliar o coeficiente de digestibilidade
aparente de alguns alimentos comumente utilizados em dietas para
peixes visando à otimização da formulação de dietas para Betta
splendens.

Material e Métodos
O experimento foi realizado no Laboratório de Nutrição de Organismos
Aquáticos (Aquanutri) do Departamento de Melhoramento e Nutrição
Animal, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Unesp,
Botucatu, unidade integrada ao Centro de Aqüicultura da Unesp.
Foram avaliados os coeficientes de digestibilidade aparente de MS, PB,
EE e EB da dieta basal e de alimentos energéticos e protéicos (fubá de
milho, farelo de trigo, farelo de soja e farinha de peixe), incluídos
no nível de 40% da dieta basal purificada (Tabela 1). A composição
percentual das dietas basal e teste encontram-se na Tabela 1 e a
composição química analisada da dieta basal na Tabela 2. Fêmeas
adultas de Betta splendens (0,35 ± 0,08 g) foram mantidas em dois
aquários de fibra de vidro (30 peixes/aquário) para alimentação e dois
aquários para coleta de fezes, ambos de formato cônico e com
capacidade para 30 L. Para minimizar o estresse e facilitar o manejo
de alimentação e coleta de fezes, os peixes foram alojados em
tanques-rede de formato circular, confeccionados com tela plástica
(malha de 3 mm entre nós).
No intervalo de 24 horas, foram realizadas duas coletas de fezes,
intercaladas por períodos de alimentação. Os peixes foram mantidos de
8 às 11h nos aquários de alimentação, onde receberam as dietas
experimentais ad libitum a cada 30 minutos. Ao final desse período,
foram transferidos para os aquários de coleta de fezes, onde
permaneceram até as 14h. Após a coleta de fezes, os peixes foram
devolvidos aos aquários de alimentação, onde foram novamente
arraçoados a cada 30 minutos, até às 18h. Ao final do segundo período
de alimentação, os peixes foram transferidos para os aquários de
coleta, onde permaneceram até às 8h do dia seguinte. Ao final de cada
período de alimentação, foi realizada a limpeza dos aquários,
preparando-os para nova coleta. Portanto, foram realizadas duas
coletas de fezes por dia.
O mesmo grupo de peixes foi utilizado para a coleta de fezes de todas
as dietas, porém, adotou-se um período de sete dias de aclimatação às
dietas antes de iniciar a coleta de fezes da dieta seguinte.
Em virtude da pequena quantidade de fezes obtida para cada dieta, as
análises laboratoriais foram realizadas em um pool das fezes dos dois
períodos de coleta. As amostras de fezes foram centrifugadas, secas em
estufa de ventilação forçada a 55 ± 5ºC durante 24 horas e moídas. A
determinação da composição químico-bromatológica das dietas e das
fezes foi realizada segundo metodologia descrita pela AOAC (1995) e a
concentração do óxido de cromo, segundo Bremer Neto et al. (2003),
analisadas em duplicata. O coeficiente de digestibilidade aparente
(CDA) dos nutrientes da dieta basal e das dietas experimentais foi
calculado pelo método indireto utilizando-se óxido de cromo como
marcador inerte, por meio das expressões propostas por Cho et al.
(1985):

em que CDa(n) = coeficiente de digestibilidade aparente do nutriente
na ração basal e rações experimentais; %Cr2O3r = porcentagem de óxido
crômio na ração; %Cr2O3f = porcentagem de óxido crômio nas fezes; %Nr
= porcentagem do nutriente na ração; %Nf = porcentagem do nutriente
nas fezes.
Os coeficientes de digestibilidade aparente dos nutrientes nos
diferentes alimentos foram calculados pela seguinte expressão:

em que CDa(ing) = coeficiente de digestibilidade aparente do nutriente
no ingrediente; CDa(rt) = coeficiente de digestibilidade aparente do
nutriente na dieta com o ingrediente teste; CDa(rb) = coeficiente de
digestibilidade aparente do nutriente na dieta basal; b = porcentagem
da dieta basal na dieta-teste; a = porcentagem do ingrediente na
dieta-teste.
O oxigênio dissolvido (mg/L) e o pH foram aferidos semanalmente por
meio de oxímetro e peagâmetro digitais, respectivamente, e a
temperatura da água dos aquários, diariamente, às 8 e 16h.

Resultados e Discussão
Durante o período experimental, a temperatura da água foi de 26,0 ±
0,5ºC. O nível médio de oxigênio dissolvido foi de 7,85 ± 0,33 mg/L,
valor considerado satisfatório para o desenvolvimento dos peixes
(Boyd, 1990). O valor médio de pH foi de 6,92 ± 0,32, considerado
satisfatório para a espécie, segundo Rainboth (1996).
Os coeficientes de digestibilidade aparente dos nutrientes (MS, PB, EE
e EB) e os valores de proteína digestível e energia digestível do
farelo de soja, da farinha de peixe, do fubá de milho e do farelo de
trigo obtidos para o Betta splendens são descritos na Tabela 2.
Entre os alimentos avaliados, o farelo de soja apresentou o maior
coeficiente de digestibilidade da MS (69,43%). Os coeficientes de
digestibilidade da MS do farelo de soja (71,04%) e da farinha de peixe
(57,46%) foram semelhantes aos obtidos por Pezzato et al. (2002) para
tilápia-do-nilo, enquanto os do milho foram superiores (52,52%) e os
do farelo de trigo (66,05%) inferiores. Chong et al. (2002), avaliando
a digestibilidade in vivo de alguns alimentos para uma das espécies
mais populares de peixes ornamentais, o acará-disco (Symphysodon
aequifasciata), obtiveram bons coeficientes de digestibilidade da MS
para a maioria dos alimentos avaliados, como a farinha de peixe
(78,15%) e o farelo de soja (66,22%). Entretanto, o valor encontrado
para o farelo de trigo (49,03%) foi inferior ao observado para o beta.
Cho & Bureau (1997) obtiveram baixos coeficientes de digestibili-dade
da MS para o milho (23%) e o farelo de trigo (35%) e maiores valores
para o farelo de soja (74%) e a farinha de peixe (85%) em estudo com
truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss).
Os coeficientes de digestibilidade da PB dos alimentos energéticos
(fubá de milho e farelo de trigo) foram maiores que os dos alimentos
protéicos (farelo de soja e farinha de peixe). Pezzato et al. (2002),
avaliando os coeficientes de digestibilidade da PB em
tilápias-do-nilo, obtiveram valores superiores para os coeficientes de
digestibilidade da PB dos alimentos energéticos (87,69%) e protéicos
de origem vegetal (87,85%) em comparação aos alimentos protéicos de
origem animal (63,76%). Entretanto, os coeficientes de digestibilidade
da PB do milho (95%), do farelo de trigo (92%), do farelo de soja
(96%) e da farinha de peixe (92%) encontrados por Cho & Bureau (1997)
para a truta arco-íris foram altos e semelhantes entre si.
Os baixos valores de digestibilidade aparente da proteína da farinha
de peixe podem ter sido negativamente influenciados pelo processamento
ou pela composição química do alimento (Sullivan & Reigh, 1995).
Segundo Aksnes et al. (1997), as farinhas de peixe disponíveis no
mercado apresentam grande variação na qualidade, o que pode ser
atribuído ao frescor, ao tipo de material e às condições de
processamento. Em 27 amostras de farinha de peixe, Romero et al.
(1994) observaram variação de 84,5 a 97,0% para digestibilidade da
proteína na truta arco-íris. As farinhas de peixe brasileiras
apresentam muitas vezes baixos coeficientes de digestibilidade por
serem formuladas com resíduos de abate, podendo apresentar altas
porcentagens de cinzas e proteína de baixa qualidade, proveniente da
matriz protéica dos ossos, da pele, das escamas e das vísceras
(Boscolo et al., 2004).
Os melhores coeficientes de digestibilidade da energia bruta foram
obtidos para o fubá de milho (77,61%) e para a farinha de peixe
(75,55%) em comparação ao farelo de soja (67,91%) e ao farelo de trigo
(58,17%). Essas diferenças na digestibilidade da fração energética
desses alimentos podem ser conseqüência dos altos teores de fibra
bruta no farelo de soja (5,41%) e no farelo de trigo (9,66%). Anderson
et al. (1983) e Lanna et al. (2004), em experimento com
tilápias-do-nilo, e Esquivel et al. (1998), com piracanjuba Brycon
orbgnyanus, concluíram que altos níveis de fibra bruta na dieta
diminuem o tempo de passagem do alimento no intestino, piorando o
aproveitamento dos nutrientes. De forma semelhante, Kirchgessner et
al. (1986) observaram piores coeficientes de digestibilidade dos
carboidratos totais na carpa-comum Cyprinus carpio alimentada com
altos níveis de fibra bruta na dieta.
Em geral, os coeficientes de digestibilidade do EE foram baixos e
melhores para o farelo de trigo, seguido da farinha de peixe, do
farelo de soja e do fubá de milho. Apenas o farelo de trigo apresentou
coeficientes de digestibilidade da fração lipídica similares aos
observados por Pezzato et al. (2002) em tilápias-do-nilo (67,37%),
enquanto os valores encontrados para o milho (69,02%), o farelo de
soja (82,67%) e a farinha de peixe (80,12%) foram inferiores.
Apesar de o beta se alimentar em seu ambiente natural de zooplâncton,
zoobentos e larvas de insetos (Rainboth, 1996), os coeficientes de
digestibilidade dos alimentos de origem vegetal foram satisfatórios e
comprovaram bom aproveitamento dos nutrientes e da energia desses
alimentos. Esses resultados indicam a possibilidade de substituição da
farinha de peixe por fontes protéicas vegetais, o que contribui para
diminuição dos custos de produção dessa espécie. Além disso,
informações sobre a digestibildade dos principais nutrientes desses
alimentos permitem a formulação de dietas mais adequadas à espécie, de
forma a minimizar os excessos e desperdícios de nutrientes, reduzindo
assim a eutrofização da água de cultivo e o impacto ao meio ambiente.

Conclusões
Informações sobre a energia digestível e a digestibilidade de MS, PB e
EE de alimentos de origem vegetal permitirão a formulação de dietas
mais adequadas à espécie e a minimização dos excessos e desperdícios
de nutrientes, podendo reduzir a eutrofização da água de cultivo e o
impacto ao meio ambiente.

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